quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Comissários (e eu) a bordo da selva

Para escrever sobre algo com a maior fidelidade possível, era preciso deixar a teoria de lado e vivenciar a experiência. E foi o que fiz

Por Leilane Vasconcelos


Não é só em realities shows que algumas pessoas precisam aprender a viver em condições extremas. Em treinamentos preparatórios, como os de comissários de bordo, a realidade também é posta à prova, e os limites são desafiados.

O intrigante é que, ao vermos uma aeromoça – com sua impecável maquiagem, cabelos perfeitamente ajeitados – não imaginamos o que ela, como profissional, passou para estar ali.

Todo o glamour que aquela imagem passa contrasta, em larguíssima escala, com o treinamento de sobrevivência que os comissários de bordo obrigatoriamente são submetidos.

Leiga em questões primitivas, fui designada a reportar um treinamento na selva. Fato é que, para escrever sobre o episódio com a maior fidelidade possível, era preciso deixar a teoria de lado e vivenciar a experiência. E foi o que fiz.

Depois de três horas de sono e sem pretensões, cheguei no horário combinado: 4 horas de uma madrugada tão chuvosa quanto todo o dia anterior. Entrei em um dos seis ônibus, todos do comboio à selva.

Às 7h, chegamos ao destino. Via barro, barro e barro. Quase 250 alunos, mais de vinte monitores e barro. Chuva, mata fechada… E barro. Em volta, nenhum rosto familiar a ponto de me socorrer. Eu e a máquina fotográfica no barro, no pé da selva. Me senti em Lost, e acho que não fui a única a pensar o mesmo.

Alguns minutos andados, chegamos ao comecinho da trilha. “Ok, é o bastante. Já sei como é, posso voltar”, pensei. Por sorte, havia um monitor para me acompanhar o tempo todo, e foi ele quem minimizou o estrago que a trilha fez em mim – ou que eu fiz na trilha.

O primeiro problema ali é encontrar, dentre todos os obstáculos, qual o maior deles a ser enfrentado. Frio, chuva e lama, numa trilha tão imprevisível quanto a própria mata, e como todo o treinamento que havia adiante.

Os alunos sofriam pressão psicológica proposital, feita pelos instrutores. Em condições reais de drama, tudo seria feito pela situação, algo muito pior. Mesmo assim, não era fácil acompanhar todo o processo.

Ainda tive a regalia de poder comer durante o treinamento. Os alunos mantêm-se apenas com água, por todo o tempo. Imaginei ali quantos não traziam consigo traumas e limitações, e que superaram barreiras físicas e psicológicas. Acho que para outros tantos, o sábado foi como um divisor de águas.

Não demorou muito, começaram os desmaios e crises nervosas. Também, não é para menos: entrar em uma piscina insanamente fria depois de cinco horas na mata, dentre trilhas e treinamentos.

Enquanto os alunos aprendiam a combater incêndios e manusear sinalizadores, pude presenciar atitudes que fomentavam a coletividade, dignas de benfeitores – e vi como reagimos em uma condição extrema. E, é claro, houve também quem agiu ao contrário, e conseguiu pensar apenas em si.

Meu medo era do mesmo tamanho do meu conforto, e meu frio se igualava à minha curiosidade. Assim, entrei na casa de fumaça. Sem saber o que me esperava – e na tolice de quem não entende nada sobre o assunto – enchi o pulmão de ar, na esperança de sair de lá intocada. Claro, caí do cavalo.

A tosse me acompanha desde então, irredutível (e três dias se passaram).

Numa constante e forte chuva, o treinamento foi noite adentro. Saímos da selva quase 22h do mesmo dia, mas com a impressão de estarmos na madrugada de um dos infindáveis dias passados ali. Sem saber o que mais incomodava – fome, sede, frio, chuva, lama ou a rigidez dos veteranos – caminhamos no escuro até os ônibus.

Ah, era o fim.

Engraçado como nossa visão muda depois de um dia como esse. Quem julgar que o requinte das aeromoças é apenas o espelho de uma profissão superficial, erra feio. Elas literalmente dão o sangue para aprender a como nos socorrer em situações extremas, e sem descer do salto.

Custei, mas percebi: O treinamento não foi feito só para mostrar como sobreviver em momentos de crise. Ele é para que possamos entender o pouco para saborear o muito – mesmo que esse muito seja o simples conforto da sua cama, aproveitada depois de um belo banho quente, na proteção de seu lar.


Fonte: http://www.ceabbrasil.com.br/blog/index.php/artigos-aviacao/comissarios-e-eu-a-bordo-da-selva

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